Em 26 de fevereiro de 2025, em Oxford, Reino Unido, o criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee, afirmou mais uma vez que uma nova WWW é possível.
Cerca de um ano atrás, Berners-Lee publicou uma carta aberta explicando suas razões para querer mudar o estado atual da WWW, assim como a direção que ele acredita que deve ser tomada para alterar essa situação.
Nesse documento, ele afirmou que a web foi concebida para ser uma ferramenta de empoderamento da humanidade, o que conseguiu em seus primeiros anos por meio de uma grande diversidade de conteúdo e da facilitação da criação de pequenas comunidades. No entanto, nos últimos tempos, ele argumenta, a web tem feito o oposto devido à centralização excessiva, ao controle sobre as informações que as pessoas recebem e ao rápido avanço da inteligência artificial, demonstrando que os problemas da web não são isolados, mas profundamente interligados com as tecnologias emergentes.
Para Berners-Lee, a web deixou de servir ao bem público, sucumbindo às forças do capitalismo, o que levou a monopólios. Além disso, sua “governança” falhou, em parte porque as medidas regulatórias não acompanharam o desenvolvimento tecnológico, ampliando a lacuna em relação à supervisão eficaz.
Ele acredita que a boa governança e a responsabilidade institucional são tão necessárias quanto o trabalho de cientistas e desenvolvedores. A ideia essencial é que o núcleo da web deve ser “as intenções dos indivíduos” em vez da exploração da “atenção” das pessoas, que é o foco do modelo de negócios atual.
Nesse sentido, ele anunciou o desenvolvimento do chamado Protocolo Solid, que adiciona duas camadas adicionais à web, permitindo que os usuários controlem suas informações pessoais em vez de serem dominados pelas empresas que atualmente governam a web. Essa ferramenta já está sendo implementada em algumas áreas, como pela autoridade local em Flandres, na Bélgica.
Mas há algo mais que também importa: a reação pública contra o estado atual das coisas, um fator que não existia quando a web foi promovida como um espaço aberto e descentralizado.
Nessa linha, o conhecido filósofo Eric Sadin, autor de obras como A Era do Indivíduo Tirano, que analisa o liberalismo atual na era da cibernética, propõe passar da crítica à ação criando o que ele chama de “contra-cúpula sobre inteligência artificial” em oposição à cúpula oficial realizada em meados de fevereiro em Paris.
Em entrevistas recentes, Sadin argumentou que a IA deve ser vista como estando no ponto nodal de duas visões de mundo antagônicas: de um lado, um estágio terminal do capitalismo que, desde o início, tratou a humanidade como uma variável ajustável; de outro lado, a aspiração de expressar o melhor da humanidade sem prejudicar as pessoas ou a biosfera.
No estágio atual, Sadin argumenta, é crucial dar voz às pessoas para que possam compartilhar os impactos concretos da IA em áreas como educação, linguística e política, enquanto se presta menos atenção aos técnicos e líderes empresariais cujos interesses particulares são evidentes e que, entre outras coisas, ocultam os impactos ambientais desastrosos dessas novas tecnologias.
Atividades de denúncia e defesa são essenciais e urgentes, sem esperar por iniciativas da esfera política, onde as forças de lobby são tão fortes que é difícil esperar que mudanças profundas se originem de autoridades ou legisladores.
A afirmação de Sadin é claramente apoiada pelas imagens da posse de Donald Trump, onde as primeiras fileiras estavam repletas de figuras líderes das principais empresas de tecnologia que, ao homenagear o novo presidente, também buscavam e continuam buscando apoio para seus empreendimentos. Sem mencionar, é claro, o proprietário da Platform X, que desempenha um papel proeminente no governo dos Estados Unidos iniciado em janeiro de 2025.
Embora nem Sadin nem Berners-Lee aprofundem a ideia, parece evidente que, nesse esforço para mudar a tendência atual de controle e conteúdo na internet, o papel do Estado parece ser essencial. Esse papel se estende não apenas à regulação (um caminho já seguido pela União Europeia, pelo menos até a recente cúpula de Paris), mas também ao desenvolvimento de plataformas e alternativas às megacorporações do setor.
Entre outras opções, é o Estado (um tipo diferente de Estado do que geralmente vemos hoje) que poderia ajudar a reviver a ideia do bem comum e dos benefícios coletivos em contraste com o individualismo extremo tão amplamente promovido hoje.
Sadin invoca uma citação de Alexis de Tocqueville que vale a pena lembrar aqui:
“Não há nada menos independente do que um cidadão livre. Um cidadão livre não é independente precisamente porque está sempre envolvido em alguma colaboração com outros cidadãos. E dessa colaboração pode nascer o bem-estar coletivo.”