loader image

A Corte Interamericana e a proteção dos direitos humanos diante da emergência climática

09 julho, 2025

Em 3 de julho de 2025, a Corte Interamericana de Direitos Humanos notificou sua Opinião Consultiva 32 (OC 32) de 2025 sobre Emergência Climática e Direitos Humanos.

A OC 32 foi promovida por Chile e Colômbia, países que, em janeiro de 2023, apresentaram a solicitação com o objetivo de esclarecer o alcance das obrigações estatais, em sua dimensão individual e coletiva, para responder à emergência climática no marco do direito internacional dos direitos humanos.

Na ocasião, os Estados solicitantes afirmaram que a opinião da Corte “servirá para precisar o sentido, a oportunidade e o alcance das obrigações do Estado nacional, de entidades subnacionais (cidades, regiões ou departamentos), da responsabilidade frente a atores não estatais e das obrigações transnacionais, regionais e globais na matéria”.

Os Estados peticionários incluíram em seu documento a menção a diversos processos internacionais nos quais, de uma forma ou outra, a temática foi abordada e até mesmo resultou em pronunciamentos relevantes.

O caso Billy e outros vs. Austrália

O Comitê de Direitos Humanos da ONU, órgão responsável por monitorar o cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 21 de julho de 2022 emitiu uma decisão acolhendo parcialmente a denúncia apresentada em 2019 por um grupo de indígenas do Estreito de Torres, na Austrália (caso Daniel Billy e outros vs. Austrália, CCPR/C/135/D/3624/2019).

Os habitantes do Estreito de Torres são um povo melanésio em Queensland, Austrália, com raízes culturais também em Papua-Nova Guiné. Vivem em 38 das 133 ilhas da região e, segundo o censo australiano de 2021, há 4.124 pessoas nas ilhas, das quais 90,6% são indígenas do Estreito de Torres e/ou aborígenes australianos.

Essas ilhas são pequenas e baixas, o que as torna extremamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, como a elevação do nível do mar e outros fenômenos meteorológicos. Há tempos, a água salgada invade as ilhas, afetando espécies vegetais locais, destruindo casas, sítios sagrados e degradando áreas de pesca. Segundo o Comitê, o Estado australiano não agiu adequadamente.

O Comitê concluiu que a Austrália violou o artigo 2º do Pacto de Direitos Civis e Políticos, que estabelece:

“Cada um dos Estados Partes neste Pacto compromete-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos sob sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem distinção de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.”

Segundo o Comitê, a Austrália tem a obrigação positiva de implementar medidas de adaptação para proteger os lares, a vida privada e as famílias dos habitantes das ilhas.
Há também responsabilidade em relação ao artigo 27 do mesmo tratado, que diz:

“Nos Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, não se negará às pessoas pertencentes a essas minorias o direito de, em comum com os demais membros do grupo, desfrutar de sua própria cultura, professar e praticar sua religião e utilizar sua própria língua.”

O Comitê constatou que os habitantes já experimentaram a erosão de terras tradicionais, de recursos naturais e de sítios culturais devido às mudanças climáticas, o que compromete a transmissão de seus modos de vida às futuras gerações.

Concluiu-se, assim, que o fato de a Austrália não ter adotado em tempo hábil medidas de adaptação para proteger a capacidade coletiva dos habitantes de manter sua cultura viola o artigo 27 do Pacto.

Por isso, o órgão da ONU determinou que a Austrália forneça reparações integrais às pessoas afetadas, incluindo compensação adequada, consultas significativas com as comunidades para entender suas necessidades, ações contínuas para manter os habitantes seguros e monitoramento da eficácia das medidas.
Além disso, ordena ao Estado prevenir violações similares no futuro.

A Opinião Consultiva 32 da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Considerando esse e outros antecedentes — como a anterior Opinião Consultiva 23 sobre Meio Ambiente e Direitos Humanos de 2017, que reconhece o direito a um meio ambiente saudável como um direito autônomo e individual, e as obrigações dos Estados de evitar danos ambientais transfronteiriços —, a Corte desenvolveu um amplo processo consultivo para elaborar a OC 32.

Foram recebidas mais de 260 observações escritas de mais de 600 atores globais, e realizadas três audiências públicas, com a participação de 180 delegações, ao longo de cinco dias em Barbados e no Brasil (abril e maio de 2024).

Antes de aprofundar nos aspectos jurídicos, a Corte elaborou uma análise factual sobre as causas e consequências das mudanças climáticas e seu impacto nos direitos humanos.

O tribunal acolheu amplamente a opinião científica majoritária: enfrentamos uma emergência climática real, causada por fatores antropogênicos, especialmente por parte de alguns Estados, afetando toda a humanidade — em especial os mais vulneráveis.

Diante disso, a Corte reconheceu que existem obrigações concretas e urgentes para os Estados, que devem ser atendidas com ações eficazes.
No plano jurídico, reconheceu-se o direito humano a um clima saudável, derivado do direito a um meio ambiente saudável.

Portanto, os Estados devem atuar contra as causas da mudança climática, mitigar as emissões de gases de efeito estufa, regular o setor privado e avançar rumo ao desenvolvimento sustentável com base nos direitos humanos.

A Corte também trata das obrigações de adaptação climática e da proteção de direitos como vida, saúde, integridade pessoal, liberdade de residência e circulação, água, alimentação, trabalho e educação.

A Natureza e o Direito à Ciência

Dois dos pontos mais inovadores e relevantes da OC 32 tratam da proteção da Natureza e do direito à ciência e aos saberes tradicionais.

No item 7 da decisão (por votação dividida), a Corte reconhece a Natureza (com maiúscula) como sujeito de direitos, o que fortalece a proteção dos ecossistemas e permite a prevenção de danos antes que se tornem irreversíveis.

O tribunal fundamenta essa visão como uma “manifestação contemporânea do princípio de interdependência entre direitos humanos e meio ambiente”, aproximando-se de uma norma imperativa (jus cogens) contra práticas humanas que ameacem o equilíbrio vital do ecossistema comum (item 8).

Quanto ao direito à ciência e ao reconhecimento dos saberes tradicionais, indígenas e locais, o item 14 estabelece:

“Todas as pessoas têm direito de acessar os benefícios de medidas baseadas na melhor ciência disponível e no reconhecimento dos saberes locais, tradicionais ou indígenas.”

Isso se baseia no Artigo 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Artigo 14.2 do Protocolo de San Salvador, que determinam ações para conservar, desenvolver e difundir ciência, cultura e arte.

O direito à ciência é considerado essencial para garantir o acesso a outros direitos fundamentais e para enfrentar objetivamente os efeitos adversos das mudanças climáticas. A Corte afirma que esse direito também se aplica aos saberes tradicionais, dada a urgência e complexidade das medidas climáticas.

Povos Indígenas

Como a Corte reconhece que as mudanças climáticas afetam de forma desproporcional os povos indígenas e tribais — pois dependem diretamente dos ecossistemas —, a OC 32 recomenda que os Estados tomem medidas para:

  1. Reforçar o reconhecimento e o funcionamento das instituições representativas indígenas em aspectos de autogoverno, gestão territorial e de recursos;
    b) Produzir estudos e dados desagregados com participação indígena sobre os impactos climáticos;
  2. c) Criar políticas públicas, com participação indígena, para proteger seus territórios, modos de vida, cultura, segurança alimentar e hídrica;
    d) Adotar medidas legislativas, administrativas e de políticas públicas para proteger os territórios e fortalecer a resiliência e adaptação climática de suas comunidades.

A Corte reafirma o dever dos Estados de buscar o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas, e de fornecer informações claras, atualizadas e acessíveis sobre os impactos de projetos ou leis que possam afetar seus direitos territoriais ou sua sobrevivência como povo (parágrafos 607 e 608 da OC 32).

Para garantir a consulta efetiva, os mecanismos devem ser realizados de boa-fé, com o objetivo de alcançar acordos informados e acessíveis (parágrafos 611 e 612).

Essas disposições devem ser lidas junto com os direitos à participação política (item 16) e à proteção dos defensores ambientais (item 18), para os quais os Estados têm obrigação especial de proteger, investigar ataques e combater a criminalização da defesa ambiental.

Conclusão

A OC 32 se soma a diversas decisões judiciais em outros tribunais e a pronunciamentos de organismos internacionais e documentos técnicos que constroem um marco jurídico evolutivo sobre natureza, meio ambiente e direitos relacionados.
A metodologia participativa, os testemunhos e a análise jurídica detalhada conferem à OC 32 alta relevância para sua consideração e eventual implementação.
Ao mesmo tempo, antecipa-se o aprofundamento de debates sobre vários de seus conteúdos, especialmente diante da falta de unanimidade em seus pontos decisórios.