loader image

Foto: Freepik

A Corte Internacional de Justiça e o direito de greve

24 outubro, 2025

Entre 6 e 8 de outubro de 2025, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) convocou audiências públicas sobre o pedido de parecer consultivo apresentado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) a respeito da Convenção nº 87 de 1948, sobre a liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização.
Representantes de vinte Estados e cinco organizações internacionais manifestaram-se para expressar sua opinião sobre se a referida Convenção reconhece e, em caso afirmativo, protege o direito de greve, apesar de a palavra “greve” não aparecer literalmente em seu texto.

Durante o ano de 2024, diversos Estados e organismos internacionais apresentaram documentos, totalizando 31 registros escritos sobre o tema.

Solicitação da OIT

O procedimento foi iniciado a partir de uma solicitação do Diretor-Geral da OIT ao Presidente da CIJ, por meio de uma carta datada de 13 de novembro de 2023, a partir da qual a Corte organizou os trâmites processuais.
O Diretor-Geral deu cumprimento à resolução do Conselho de Administração da OIT, que, em sua 349ª sessão, de 10 de novembro de 2023, decidiu (após muitos anos de debate), com base no artigo 37 da Constituição da OIT, no artigo 65, parágrafo 1, do Estatuto da Corte, e no artigo 103 do Regulamento da Corte, solicitar um parecer consultivo à CIJ sobre a seguinte questão:

“O direito de greve dos trabalhadores e de suas organizações está protegido pela Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito de Sindicalização, de 1948 (nº 87)?”

No seu documento introdutório, a OIT apresenta informações acompanhadas de uma grande quantidade de anexos documentais considerados relevantes para a decisão da CIJ.
Segundo o texto, até o ano de 2023, a OIT havia adotado 191 convenções e 208 recomendações, cuja aplicação é supervisionada por órgãos de especialistas e mecanismos de denúncia.
Com base no artigo 37 da Constituição da OIT, as questões relativas à interpretação das convenções, assim como da própria Constituição, devem ser submetidas à CIJ para resolução.
Prevê-se também a criação de um tribunal sobre o mesmo tema, mas, na prática, ele nunca foi constituído.

Sistema de supervisão da OIT e a liberdade sindical

A implementação das convenções internacionais pelos Estados Membros é supervisionada por meio de procedimentos de relatórios periódicos (artigo 22 da Constituição da OIT).
Esses relatórios são examinados pelo Comitê de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações (CEACR), composto por 20 especialistas, e pelo Comitê de Aplicação de Normas (CAN), que funciona no âmbito da Conferência Internacional do Trabalho.
O CEACR emite observações e solicitações diretas, publicando-as em seu relatório anual, apresentado à Conferência Internacional.

Além disso, existem procedimentos especiais que permitem a apresentação de queixas relativas ao descumprimento das convenções internacionais, mecanismos que, até o momento, levaram ao estabelecimento de 14 Comissões de Inquérito (ou de Investigação) para tratar denúncias de violação das convenções.

No que diz respeito ao direito à liberdade sindical, a OIT possui um procedimento específico: o Comitê de Liberdade Sindical (CLS), que já recebeu mais de 3.300 casos e emitiu uma grande quantidade de decisões sobre o tema.

Após a adoção da Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito de Sindicalização, de 1948 (nº 87), e da Convenção sobre o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva, de 1949 (nº 98), a OIT criou, em 1951, o CLS, com o objetivo de examinar queixas relativas a violações da liberdade sindical, independentemente de o país em questão ter ratificado ou não as convenções pertinentes.

O CLS é um comitê do Conselho de Administração e é composto por um presidente independente, três representantes dos governos, três dos empregadores e três dos trabalhadores.
Se o comitê conclui que houve violação das normas ou dos princípios de liberdade sindical, ele apresenta um relatório por meio do Conselho de Administração e formula recomendações sobre como a situação pode ser solucionada.

Com relação à questão submetida à CIJ, é importante destacar que várias decisões do CLS sustentaram que o direito de greve é uma consequência do direito de sindicalização, protegido pela Convenção nº 87.

Por exemplo, no caso nº 2473 de 2005, relacionado ao Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, o CLS recordou que o direito de greve é um corolário indissociável do direito de sindicalização protegido pela Convenção nº 87, e que ninguém deve ser punido por participar ou tentar participar de uma greve legítima.
Outro exemplo encontra-se em uma das compilações mais recentes de decisões do CLS, que afirma:

“A proibição imposta às federações e confederações de declarar greve não é compatível com a Convenção nº 87.”

Além disso, o documento introdutório da OIT perante a CIJ inclui uma seção com comentários do CEACR, segundo os quais esse órgão reiterou que o direito de greve deriva da Convenção nº 87, mas também reconheceu circunstâncias em que restrições podem ser admitidas, como nos serviços essenciais ou em outras limitações eventuais ao direito de greve.

Reconhecimento internacional do direito de greve

Como já mencionado, a posição tradicional da OIT tem sido a de entender que o direito de greve está implicitamente reconhecido na Convenção nº 87, ainda que a palavra “greve” não apareça literalmente em seu texto.
Compreende-se que o direito de greve decorre do artigo 3 da Convenção, que afirma:

“1. As organizações de trabalhadores e de empregadores têm o direito de redigir seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar sua administração e suas atividades e de formular seu programa de ação.”

As expressões “organizar suas atividades” e “formular seu programa de ação” implicam a possibilidade de realizar greves.

Por sua vez, a Recomendação sobre Conciliação e Arbitragem Voluntárias nº 92, de 1951, em seu artigo 7, dispõe:

“Nenhuma das disposições desta Recomendação poderá ser interpretada de modo a prejudicar o direito de greve.”

Esse texto reforça a interpretação de que o direito de greve está implicitamente previsto na Convenção nº 87.

Nos anos seguintes à adoção da Convenção nº 87, importantes instrumentos internacionais de direitos humanos passaram a reconhecer explicitamente o direito de greve.
É o caso do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), um dos mais relevantes tratados de direitos humanos, adotado em 1966 pela ONU. Seu artigo 8º estabelece:

“Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a garantir (…)
(d) O direito de greve, exercido de acordo com as leis de cada país.”

Convém recordar que, em 2019, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em conjunto com o Comitê de Direitos Humanos (encarregado de supervisionar o cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos), emitiu uma comunicação conjunta na qual afirmou:

“Os Comitês recordam que o direito de greve é o corolário do exercício efetivo da liberdade de fundar sindicatos e de a eles se filiar. Ambos os Comitês têm procurado proteger o direito de greve ao examinar a aplicação, pelos Estados Partes, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.”

No âmbito regional, destaca-se o artigo 8º do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, conhecido como “Protocolo de San Salvador”, que dispõe:

“Direitos sindicais

  1. Os Estados Partes garantirão: (…)
    b) O direito de greve.”

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em estudo temático, reforça a concepção da profunda relação entre os direitos sindicais e o direito de greve, ao afirmar que o exercício desse direito é:

“…um requisito prévio e, ao mesmo tempo, o resultado do gozo de outros direitos humanos; por exemplo, pode permitir a revelação de práticas laborais irregulares ou insatisfatórias que conduzam à efetivação do direito ao trabalho e às suas condições justas e equitativas. (…)
Em suma, para a CIDH é claro que a proteção do direito de greve, juntamente com a liberdade sindical e a negociação coletiva, constitui um dos pilares fundamentais para a garantia do direito ao trabalho.”

O debate sobre a Convenção nº 87 e o direito de greve

A controvérsia sobre o direito de greve persiste há décadas, com posições divergentes entre os empregadores e o CEACR, que tem sustentado de forma constante que a greve é um direito derivado da Convenção nº 87 e que sua limitação afeta os direitos sindicais.

Em 2012, a situação gerou uma crise institucional na OIT, quando os empregadores se recusaram a participar da análise de casos de descumprimento da Convenção nº 87, a menos que o CEACR modificasse sua interpretação da Convenção.
Desde então, as divergências se mantiveram, sem que se chegasse a um consenso sobre mecanismos para superá-las, já que a proposta dos empregadores e de alguns governos para adotar um protocolo específico sobre o tema não obteve apoio suficiente.

Por outro lado, a proposta de submeter o caso à Corte Internacional de Justiça recebeu, em 2023, o apoio necessário no Conselho de Administração da OIT, dando início ao processo perante a CIJ.
Esta é a segunda vez que a OIT solicita um parecer consultivo da CIJ sobre o alcance de uma convenção.

A primeira ocorreu em 1932, quando foi solicitado à Corte que se pronunciasse sobre a aplicabilidade da Convenção nº 4, de 1919, relativa ao trabalho noturno das mulheres, quanto à sua incidência sobre aquelas que ocupavam cargos de supervisão ou direção e que não realizavam habitualmente trabalho manual.

No atual procedimento, conduzido perante a CIJ em Haia, alguns países latino-americanos apresentaram declarações escritas expondo suas posições, enquanto outros o fizeram oralmente, mostrando diferentes perspectivas sobre o tema em discussão.

Por exemplo, a delegação da Costa Rica entendeu que o direito à liberdade sindical não se refere nem contempla expressamente o direito de greve, seja nas suas convenções fundamentais, seja em sua Constituição. Diferentemente da liberdade sindical e da negociação coletiva, segundo a posição costa-riquenha, não existe nenhuma convenção da OIT que trate especificamente do direito de greve.

Em contrapartida, as comunicações de Colômbia e México apresentaram posições opostas à da Costa Rica.
A Colômbia, citando o Comitê de Liberdade Sindical, considerou o direito de greve como inerente ao direito à liberdade sindical e à negociação coletiva. Assim, adotou a posição do Grupo dos Trabalhadores, no sentido de que o direito de greve está protegido pela Convenção nº 87, conforme reiteradamente reconhecido pela jurisprudência colombiana.

Na mesma linha, a comunicação do Governo do México afirmou que o direito de greve está protegido pela Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito de Sindicalização (nº 87), em razão da relação indissociável entre o direito de organização e o direito de greve, sendo que a existência de um implica necessariamente a existência do outro.

Consequências do Parecer Consultivo

Após a apresentação dos documentos e as audiências realizadas no início de outubro, caberá à Corte Internacional de Justiça (CIJ) analisar e, posteriormente, decidir sobre a questão submetida à sua consideração.
Embora não seja possível antecipar o teor do pronunciamento do tribunal, é importante destacar que sua decisão será de cumprimento obrigatório para a OIT.

Isso se deve ao que está estabelecido no artigo 37 da Constituição da OIT, de 1919, que dispõe:

“Todas as questões ou dificuldades relativas à interpretação desta Constituição e das convenções posteriormente concluídas pelos Membros, em virtude das disposições desta Constituição, serão submetidas à Corte Internacional de Justiça para sua resolução (…)
Qualquer decisão ou parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça obrigará qualquer tribunal estabelecido em virtude do presente parágrafo.
Toda sentença proferida por tal tribunal deverá ser comunicada aos Membros da Organização, e quaisquer observações que estes formularem a respeito deverão ser submetidas à Conferência.”

Espera-se que a decisão da CIJ permita superar a crise prolongada que tem limitado a capacidade da OIT de avançar com a rapidez e a profundidade necessárias para cumprir seu mandato institucional.