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Gesta de Chicago

1 de maio de 2024 138 anos da história de Chicago. A liberdade sindical e a jornada de trabalho compatíveis com a dignidade humana continuam pendentes de realização.

27 abril, 2024 | Ricardo Changala

A gesta de Chicago

Na segunda parte do século XIX, a cidade de Chicago era um dos principais centros de desenvolvimento do capitalismo mundial.

Ali, no final de abril de 1886, um grupo de operários anarquistas lançou uma campanha para conseguir que a jornada diária de trabalho tivesse o limite de oito horas, quando o comum era que as pessoas trabalhadoras tivessem longas jornadas que habitualmente chegavam a 14 ou até 18 horas diárias.

A manifestação, que ocorreu no dia 1 de maio, foi enorme, com quase 200.000 pessoas presentes. Nos dias seguintes, as demonstrações públicas continuaram, causando pânico nos setores empresariais e políticos da cidade e do país.

Em 4 de maio, com a permissão das autoridades e mesmo com a presença do prefeito da cidade, os trabalhadores se manifestaram de forma pacífica perto da Haymarket Square, em um número que não ultrapassava alguns milhares de participantes.

Quando a demonstração terminou e o prefeito já havia se retirado, a polícia atacou os manifestantes, uma bomba explodiu, tudo isso terminou com dezenas de pessoas mortas e inúmeros feridos graves.

Embora nunca houvesse provas contra eles, oito pessoas foram responsabilizadas pelos fatos e em novembro do ano seguinte quatro foram executados e mais um se suicidou anteriormente.

Desde então, eles são conhecidos como os mártires de Chicago.

Convém recordar que, pouco tempo depois das manifestações de maio, em 25 de junho do mesmo ano de 1886, o presidente dos Estados Unidos Andre Johnson Johnson promulgou a chamada Lei Ingersoll, estabelecendo as oito horas de trabalho diárias.

Em junho de 1893, o governador de Illinois perdoou os três condenados que não haviam sido executados e chamou as condenações e execuções de resultado de “histeria, júris embalados e um juiz parcial”.

O episódio, além de constituir um marco na história do movimento sindical mundial que deu lugar à comemoração anual do Dia Internacional dos trabalhadores, continua obrigando à reflexão sobre suas causas e consequências.

No ano de 2024, a luta e o martírio dos dirigentes sociais em Chicago, recorda-nos que a organização dos e das trabalhadoras continua a ser a principal ferramenta para alcançar e defender direitos, ao mesmo tempo que, apesar do tempo decorrido, ainda estamos longe de conseguir condições de trabalho, incluindo a limitação da jornada diária para todas as pessoas que trabalham.

Limitação da jornada diária e semanal

Apesar dos avanços registrados, da luta sindical e das normas internacionais, a realidade é que no mundo, não só continua havendo muitas pessoas sem limites razoáveis de jornadas, mas subsiste o trabalho escravo ou sob a forma de trabalho forçadas ou formas atuais de escravidão.

Convenção Internacional do trabalho Nro. 1 da OIT adotado na Primeira Conferência Internacional de 1919 estabeleceu o limite máximo de jornada semanal e diária para o setor industrial em 48 e 8 horas, respectivamente.

Na época, apenas quatro países haviam estabelecido esse limite em sua legislação nacional: Cuba (1909), Panamá (1914), Uruguai (1915) e Equador (1916).

A adoção via legal da jornada de trabalho, diária e semanal, teve múltiplas complexidades e provocou muitas resistências ao longo do tempo. De fato, mais de 100 anos após a adoção da Convenção, apenas 52 países a ratificaram.

Um estudo recente da OIT argumenta que a prevalência da inadequação do tempo de trabalho implica efeitos negativos não apenas na reconciliação entre vida profissional e pessoal, mas mais amplamente nos indicadores de bem-estar dos trabalhadores, como satisfação na vida e no trabalho, saúde física e saúde mental.

A característica mais proeminente dos padrões e tendências do tempo de trabalho no mundo de hoje é a distribuição desigual das horas de trabalho.

Para uma parte substancial da população ocupada mundial, o tempo de trabalho excede ou, ao contrário, não alcança o intervalo padrão de horas semanais, por isso se utiliza a expressão de” inadequação”: pouco mais de um terço dos trabalhadores do mundo (35,4%) trabalham mais de 48 horas semanais, enquanto um quinto (20,3%) têm uma semana de trabalho curta (a tempo parcial) de menos de 35 horas, contra a sua vontade, porque com esse tempo de trabalho não conseguem rendimentos suficientes.

Ao mesmo tempo, a desigualdade é muito clara no âmbito da economia informal, já que a probabilidade de que os trabalhadores nesse setor tenham semanas de muitas horas e de poucas horas é maior do que a daqueles que trabalham no emprego formal.

Recordemos também que a mesma OIT publica em março de 2024 um relatório onde afirma que o nível obsceno de ganhos anuais gerados pelo trabalho forçado no mundo atual (US.236 bilhões), reflete os salários ou rendimentos efetivamente roubados dos bolsos dos trabalhadores pelos perpetradores do trabalho forçado através de suas práticas coercitivas.

O documento observa que entre os anos de 2016 e 2021, o número de pessoas em trabalho forçado aumentou em 2, 7 milhões, resultando em um aumento na prevalência de trabalho forçado de 3, 4 para 3, 5 por mil pessoas.

Além disso, os avanços tecnológicos parecem não ajudar muito para a redução da jornada, apesar de que é isso que deveria acontecer.

Pelo contrário, a tendência à conexão digital e ao teletrabalho, estão gerando jornadas de trabalho extensas ou pelo menos permitindo a não desconexão das pessoas trabalhadoras com sua empresa ou local de atividades, afetando notavelmente o tempo de descanso físico e mental.

A organização das pessoas trabalhadoras

A liberdade Sindical faz parte dos Direitos humanos e como tal foi recolhida numa série de instrumentos internacionais, sendo regulada de forma expressa pelas convenções 87 e 98 da OIT, entre outros.

Atualmente, é universalmente admitido que não é possível o desenvolvimento da Liberdade Sindical sem a vigência efetiva dos demais direitos humanos, mas, inversamente, não é possível a realização dos direitos humanos sem a vigência da Liberdade sindical.

Portanto, o pleno exercício da Liberdade sindical é um pilar fundamental para a democracia formal e substancial.

Isto foi repetidamente expresso pela Comissão de especialistas em aplicação de Convenções e recomendações, pela Comissão de Aplicação de Normas da conferência e pelo Comitê de Liberdade Sindical da OIT:

O exercício da Liberdade sindical e de associação e o direito à negociação coletiva pressupõem o respeito das liberdades civis fundamentais, em particular o direito à liberdade e segurança da pessoa contra a detenção e a prisão arbitrárias, a liberdade de opinião e expressão, a liberdade de reunião, o direito a um processo justo por tribunais independentes e imparciais, e o direito à proteção da propriedade das organizações de empregadores e de trabalhadores.

De acordo com o estudo geral sobre liberdade sindical e negociação coletiva, quase metade das queixas apresentadas ao Comitê de Liberdade Sindical dizem respeito, total ou parcialmente, a violações dos Direitos humanos.

O Comitê de Liberdade Sindical é um órgão tripartido criado em 1951 pelo Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O Comitê examina alegações de infrações aos princípios da Liberdade sindical e do reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, consagrados na Constituição da Organização Internacional do trabalho (preâmbulo), na Declaração de Filadélfia, e conforme expresso pela Resolução da Conferência Internacional do Trabalho de 1970.

O Comitê é composto por nove membros titulares e nove suplentes, provenientes dos Grupos Governamental, dos trabalhadores e dos empregadores do Conselho de Administração, e conta ainda com um presidente independente.

Reúne-se três vezes por ano e, tendo em conta as observações transmitidas pelos governos, realiza um exame das queixas apresentadas contra eles e recomenda ao Conselho de Administração

As violações comprovadas pelo Comitê de Liberdade Sindical são tão graves quanto variadas: ataques graves à integridade física (ameaças, agressão física, tentativa de sequestros) que pode chegar até o assassinato, prisões e detenções arbitrárias, limitações à liberdade de movimento, exílio e desaparecimentos.

Além disso, as liberdades de reunião, de manifestação, bem como o direito de expressar opiniões de maneira livre constituem elementos essenciais dos direitos sindicais.

O Comitê de liberdade sindical assinalou que “um clima de violência em que impunemente se assassina ou se faz desaparecer dirigentes sindicais constitui um grande obstáculo para o exercício dos direitos sindicais”.

Segundo o relatório 2023 do CLS da OIT, desde a sua criação em 1951, metade dos casos denunciados pertencem à região latino-americana, entre 2008 e 2022 o guarismo ascende a 65%.

Todos os países da sub-região centro-americana ratificaram as convenções sobre a liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização, 1948 (núm. 87) E sobre o direito de sindicalização e de negociação coletiva, 1949 (núm. 98), sendo o último a fazê-lo El Salvador que ratificou os instrumentos no ano 2006

A realidade nos mostra que nesta parte do mundo, as violações aos direitos sindicais, incluindo graves atentados aos Direitos humanos das pessoas defensoras dos direitos trabalhistas, são habituais.

Em seu relatório global do ano 2023, a Confederação Sindical Internacional, expressa que corroborou o assassinato de sindicalistas em oito países, entre os quais aparecem Brasil, Colômbia, Equador, El Salvador, Guatemala e Peru, dado que por si só evidencia a deterioração da liberdade sindical no continente e em especial na América Central.

Os sucessivos relatórios, comentários e observações de organismos especializados como a OIT, dão conta de múltiplas limitações para exercer o direito a sindicalizar-se, a negociar coletivamente e também a exercer a greve em cada um dos países da América Central e na zona caribenha.

Além das violações aos direitos humanos já comentadas, também existem limitações quando não impedimentos para a organização sindical como consequência das legislações, as instituições estatais, as práticas antissindicais patronais e/ou estatais, as mudanças nos sistemas de produção, entre outras múltiplas razões.

A 138 anos da gesta de Chicago, os e as trabalhadoras do mundo ainda não conseguem realizar plenamente seus direitos sindicais nem tampouco uma extensão da jornada de trabalho que lhes permita trabalhar para viver e não viver para trabalhar.

Convém, então, refletir sobre estes assuntos para que a comemoração de 1 de maio nos ajude a encontrar caminhos de superação da realidade atual e caminhar rumo ao pleno gozo dos direitos trabalhistas individuais e Coletivos.

 

[1] ILO, Working Time and Work-Life Balance Around the World. Geneva: International Labour Office, 2022.

[2] ILO, Profits and poverty: The economics of forced labour, 2024

[3] La Libertad Sindical. Recopilación de decisiones del Comité de Libertad Sindical / Oficina Internacional del Trabajo – Ginebra: OIT, 6ª edición, 2018.

[4] Consejo de Administración 350.ª reunión, Presentación del informe anual para el periodo 2023

del Comité de Libertad SindicalGB.350/INS/16/1 (Add. 1), Ginebra, 4-14 de marzo de 2024

[5] Confederación Sindical Internacional CSI, Índice global de los derechos de la CSI, Bruselas, 2023