Por Víctor Báez Mosqueira
Ex-Secretário-Geral da Confederação Sindical das Américas (CSA)
Em maio de 2025, o Parlamento paraguaio iniciou uma consulta pública sobre um projeto de lei apresentado por um senador nacional, que busca estabelecer a semana de trabalho de 40 horas. Caso seja aprovado, representará a primeira modificação substancial em 89 anos no marco legal que regula o tempo de trabalho, desde que a jornada de 8 horas foi legalizada em 1936. Segundo o primeiro código do trabalho do Paraguai, a jornada semanal de 48 horas permanece como padrão legal até hoje.
Do ponto de vista dos setores trabalhistas e de diversos atores da sociedade civil, a proposta de reforma é percebida como uma iniciativa positiva e há muito tempo necessária. No entanto, para que esse direito seja efetivamente implementado e alcance os benefícios esperados, é essencial abordá-lo não apenas de forma isolada, mas dentro de um contexto socioeconômico e institucional mais amplo.
Fundamentos Históricos
A luta histórica pela jornada de trabalho de 8 horas remonta ao século XIX, marcada por intensa oposição de empregadores e governos. Essa resistência levou à perseguição, prisão e até execução de líderes sindicais, como no caso dos Mártires de Chicago. Em sua homenagem, o Congresso Socialista realizado em Paris, em 1889, proclamou o dia 1º de maio como jornada internacional de luta por esse direito.
O principal argumento histórico contra a redução da jornada de trabalho era o suposto risco à economia nacional e à viabilidade dos negócios. No entanto, a implementação gradual de jornadas reduzidas desmentiu essas previsões. Pelo contrário, a reforma trouxe benefícios econômicos significativos e lançou as bases para o progresso social.
A França foi o primeiro país a legislar sobre a jornada de 8 horas, em 1906, para os trabalhadores dos serviços postais, telefônicos e telegráficos. Após a Primeira Guerra Mundial, em meio à pobreza generalizada e à instabilidade econômica, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sua primeira Convenção, adotada em 1919, estabeleceu a jornada de 8 horas como padrão para todos os Estados-membros — disposição que desde então vem sendo progressivamente ratificada em todo o mundo.
A crise econômica global de 1929, consequência direta do modelo econômico ultraliberal vigente, precipitou a ascensão do fascismo e do nazismo, culminando na Segunda Guerra Mundial.
A Visão de Keynes sobre a Redução do Tempo de Trabalho
Em seu ensaio de 1930, Possibilidades Econômicas para os Nossos Netos, o economista britânico John Maynard Keynes previu que, dentro de um século — ou seja, até 2030 — os avanços tecnológicos e o crescimento sustentado da produtividade permitiriam às sociedades satisfazerem suas necessidades com apenas 15 horas de trabalho por semana (três horas por dia). O fato de essa previsão não ter se concretizado não se deve à falta de progresso tecnológico, mas sim à crescente concentração de riqueza nas mãos de uma pequena elite.
Em 2019, o economista norte-americano Jeffrey Sachs destacou que cerca de 2.000 pessoas detinham 10% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, estimado em 110 trilhões de dólares em 2024. Em outras palavras, 11 trilhões de dólares estão sob o controle desse pequeno grupo, enquanto mais de 800 milhões de pessoas passam fome no mundo.
De forma semelhante, o economista Ladislau Dowbor, professor em universidades brasileiras, ilustra essa desigualdade dividindo a população mundial em grupos de quatro pessoas (totalizando 2 bilhões de grupos) e distribuindo o PIB global igualmente entre eles. Cada grupo, segundo seus cálculos, receberia aproximadamente 4.500 dólares por mês — evidenciando que a pobreza e a desigualdade decorrem não da escassez de recursos, mas da concentração sistêmica da riqueza.
Considerações Estruturais e Institucionais
Embora a redução da jornada de trabalho traga inegáveis benefícios econômicos, sociais e de qualidade de vida, é fundamental reconhecer que, mesmo a jornada legal de 8 horas raramente é respeitada no Paraguai. Essa situação generalizada de descumprimento é facilitada pela omissão governamental e pela grave escassez de fiscais do trabalho.
Em junho de 2024, a Comissão de Peritos da OIT convocou o governo paraguaio perante a Comissão de Aplicação de Normas devido ao fracasso do país em aplicar suas próprias leis trabalhistas. Na ocasião, o Paraguai contava com apenas 19 inspetores do trabalho — 13 localizados em Assunção e no Departamento Central, e apenas 6 em dois departamentos adicionais. Os 17 departamentos restantes não possuíam sequer um inspetor do trabalho.
Igualmente relevante é a relação entre os direitos individuais dos trabalhadores — como a jornada de 8 horas — e os direitos coletivos, a saber: o direito à sindicalização, à negociação coletiva e à greve. Apesar do reconhecimento formal desses direitos, sua aplicação permanece severamente limitada. A herança de políticas autoritárias ainda persiste: os direitos individuais são reconhecidos no papel, mas a organização sindical é desencorajada, a negociação coletiva é rara e as greves são frequentemente reprimidas. Dessa forma, os trabalhadores ficam expostos, individualmente, ao poder desproporcional dos empregadores e do Estado — situação agravada pela fragilidade do poder judiciário em termos de independência e eficácia.
Um exemplo emblemático é o do setor bancário paraguaio, que já operou com uma semana de trabalho de 32 horas, fruto de acordos coletivos. Apesar da redução da jornada, os bancos continuaram a registrar lucros substanciais. No entanto, o enfraquecimento da ação sindical — causado tanto por estratégias patronais quanto pela passividade de certos líderes sindicais — levou ao desmantelamento desses acordos. Atualmente, não há limites efetivos para as horas trabalhadas. A terceirização também contribuiu significativamente para a precarização das condições laborais.
O Argumento a Favor da Redução da Jornada Semanal
A oposição à proposta de semana de 40 horas, especialmente por parte de setores empresariais e correntes políticas conservadoras, é previsível. No entanto, diversos países — especialmente na América Latina — já adotaram ou estão em processo de transição para semanas de trabalho mais curtas. Embora casos europeus como o da Alemanha (onde o sindicato dos metalúrgicos negociou uma jornada de 28 horas em 2018) sejam frequentemente mencionados, há exemplos relevantes também em nossa região.
Venezuela e Equador já reconhecem legalmente a jornada de 40 horas. Chile e Colômbia estão em processo de redução gradual. No Brasil e no Uruguai, a jornada semanal legal é de 44 horas, e muitos acordos coletivos estabelecem jornadas ainda menores, mantendo ou até melhorando os salários.
As evidências empíricas são consistentes: a redução da jornada de trabalho, quando devidamente aplicada, resulta em aumento da produtividade, redução do absenteísmo e melhor desempenho geral. Além disso, semanas de trabalho mais curtas geram benefícios sociais importantes: criam empregos formais, reduzem o desemprego e a informalidade, e promovem melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Adicionalmente, países como Islândia, Nova Zelândia e Japão já estão experimentando semanas de trabalho de quatro dias. O argumento de que o Paraguai não pode se dar ao luxo de reduzir a jornada devido à pobreza é infundado. O que realmente empobrece o país é o favorecimento institucional a elites privilegiadas.
Conclusão
Para que a semana de 40 horas gere benefícios econômicos e sociais concretos no Paraguai, sua adoção legal deve ser acompanhada de mecanismos eficazes de fiscalização. Isso inclui a garantia dos direitos coletivos dos trabalhadores, a criação de um sistema de inspeção do trabalho transparente e incorruptível, e, sobretudo, o fortalecimento de um judiciário independente, célere e acessível.
Somente por meio da implementação plena e equitativa dessa reforma o Paraguai poderá dar um passo significativo rumo à justiça trabalhista e ao desenvolvimento inclusivo.