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Foto: Rafael Socarras en Pixabay

Colômbia: Relator da ONU constatou crítica situação dos Povos Indígenas

27 março, 2024 | Ricardo Changala

O Relator Especial das Nações Unidas sobre os direitos dos Povos Indígenas, Francisco Calí Tzay, realizou uma visita à Colômbia entre os dias 5 e 15 de março de 2024, ao terminar a qual compartilhou suas primárias impressões do visto, por conta do relatório completo que dará a conhecer em setembro próximo.

O Relator destacou que os funcionários estatais reconhecem a dívida histórica do Estado com os povos Indígenas e se mostraram comprometidas a promover uma nova relação com estes, baseada no diálogo paritário.

Entre os aspectos positivos registrados pelo Relator, destacou a adoção de um Capítulo Étnico no marco dos Acordos de Paz, que reconhece os direitos à autodeterminação, à autonomia e ao Governo Próprio, à participação, à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado.

Destaque também:

  • reconhecimento do território indígena como vítima do conflito armado;
  • o relatório da Comissão para o esclarecimento da verdade, a convivência e a não repetição, que compila as várias violações perpetradas por parte das guerrilhas, os paramilitares e membros da força pública contra os povos Indígenas e fornece importantes recomendações;
  • a participação dos Povos Indígenas no desenho do Plano Nacional de desenvolvimento, “Colômbia potência Mundial da Vida”;
  • a jurisprudência da Corte Constitucional, que desempenhou um papel crucial na proteção e promoção dos direitos dos Povos Indígenas;
  • a nomeação de uma mulher indígena para o cargo de embaixadora na ONU em Nova York, e outra como diretora da unidade de vítimas, bem como um homem indígena como diretor da unidade de restituição de terras.

No entanto, a maior parte dos comentários do Relator centram-se nos desafios que ainda enfrentam os povos Indígenas, apesar do reconhecido avanço legislativo que a Colômbia tem tido durante anos.

Expressa que:

“A situação dos Direitos humanos dos Povos Indígenas da Colômbia continua sendo grave, crítica e profundamente preocupante. Ainda não se saldou a dívida histórica de reconhecer efetivamente o direito à livre determinação, autonomia, à terra, território e recursos dos povos Indígenas, assim como à participação política e à consulta para outorgar ou negar o consentimento prévio, livre e informado”.

Qualifica como preocupante o marcado aumento nos assassinatos seletivos dirigidos a líderes, lideranças e autoridades indígenas, já que, entre 2020 e 2022, foram documentados em média mais de 320 casos anuais, com 1.327 integrantes e líderes sociais assassinados após a assinatura do Acordo de Paz.

Segundo a Defensoria do povo, as lideranças indígenas são as mais afetadas territorialmente, especialmente em departamentos como Cauca, Chocó, Narino e Putumayo.

A situação dos Povos Indígenas é exacerbada e intensificada pela presença de grupos armados não estatais e organizações criminosas, bem como de agentes econômicos que operam à margem do respeito aos Direitos humanos.

Segundo vários testemunhos recebidos pelo Relator, a guerra nos territórios indígenas não cessou, incluindo o recrutamento forçado de menores por parte de grupos armados e a persistência de minas antipessoais nesses territórios.

Não se detectam avanços significativos na proteção dos 71 Povos Indígenas (35 dos quais contam com menos de 200 habitantes) declarados em risco iminente de extermínio físico e cultural pela Corte Constitucional em pronunciamentos entre o ano 2009 e 2019, incluindo a difícil situação de mais de 15 Povos Indígenas móveis e em isolamento voluntário ou Contato inicial.

As mulheres indígenas continuam enfrentando graves limitações para acessar seus direitos. Durante a visita, ouvi o testemunho de mulheres indígenas vítimas do conflito armado e seu sofrimento por não terem recebido ainda uma reparação culturalmente adequada pela violência sofrida. É preocupante que as mulheres indígenas continuem sendo vítimas de tráfico e agressões sexuais nas mãos de grupos à margem da lei.

O Relator visitou La Guajira, onde constatou que 81,1% da população Wayuu se encontra com necessidades básicas insatisfeitas, e 53,3% vive em condições de extrema pobreza. Nos últimos 10 anos, mais de 5.000 crianças Wayuu perderam a vida devido à desnutrição e desidratação.

O Relator também mostrou sua preocupação pela falta de legislação e ação para o reconhecimento das Entidades territoriais Indígenas reconhecidas na Constituição do ano de 1991.

Entre outras deficiências, não foi possível garantir procedimentos que resolvam de maneira eficaz e em tempos razoáveis Os pedidos de reconhecimento de territórios indígenas, com cerca de 1.136 pedidos não resolvidos, alguns apresentados décadas atrás.

Tampouco se avançou substantivamente em assegurar o respeito à consulta livre, prévia e informada dos povos Indígenas, já que, a maior parte das consultas realizadas pelas instituições estatais, não cumprem com os mínimos padrões internacionais aos quais a Colômbia se comprometeu a respeitar.

Apesar de que a Constituição da Colômbia reconhece a competência da jurisdição indígena dentro de seu âmbito territorial, e do mandato constitucional de adotar uma lei de coordenação desta jurisdição com a Ordinária (artigo 246), transcorreram 33 anos sem que dita lei tenha sido adotada pelo Congresso.

A partir deste diagnóstico preliminar, O Relator afirma que:

“é extremamente urgente que a Colômbia aborde queixas históricas, especialmente agora que o país embarca em novas negociações destinadas a alcançar a ‘Paz Total'”,

e apresenta uma série de recomendações, entre as quais se destacam:

  • Aplicar sem demora o Capítulo Étnico do Acordo de Paz e garantir a participação efetiva dos povos Indígenas, incluindo as mulheres indígenas, na implementação das novas políticas de segurança humana, luta contra as drogas e Paz Total;
  • Promover diálogos diretos com os povos Indígenas, independentes dos diálogos com os grupos armados não estatais, para a construção da paz duradoura;
  • Dar cumprimento imediato às ordens dadas pela Corte Constitucional e outros tribunais em matéria de direitos dos Povos Indígenas;
  • Adotar as medidas legislativas e administrativas necessárias para reconhecer as Entidades territoriais Indígenas e fortalecer sua autonomia;
  • Adotar as medidas legislativas e administrativas necessárias para assegurar a coordenação dos sistemas jurídicos indígenas e a justiça Ordinária;
  • Adotar as medidas adequadas para descongestionar os procedimentos de reconhecimento formal de territórios e avançar em uma compreensão do significado integral que estes têm para os povos Indígenas;

O Relator Especial concluiu a mensagem final de sua visita afirmando que:

“O verdadeiro progresso depende do reconhecimento e respeito genuínos dos direitos dos Povos Indígenas, começando pelo autogoverno, autodeterminação, terras, territórios e recursos, já que o conhecimento indígena e a sabedoria ancestral são essenciais para alcançar as aspirações da Colômbia de uma Paz total verdadeira e duradoura, bem como a proteção do meio ambiente”.