loader image

Foto: Freepik

Eleição da Representação Indígena para a Assembleia Nacional da Venezuela

03 junho, 2025

Os processos eleitorais na República Bolivariana da Venezuela são frequentemente objeto de ampla cobertura midiática internacional — exceto quando se referem às eleições dos povos e comunidades indígenas. Tais processos costumam ocorrer com escassa visibilidade, mesmo quando há elementos que justificariam avaliação crítica ou maior atenção pública.

No dia 1º de junho de 2025, realizaram-se as eleições destinadas à escolha dos representantes indígenas no âmbito legislativo venezuelano, especificamente para a designação de três deputados nacionais e sete deputados regionais, com mandato previsto para o período 2026–2031. Com a eleição desses três deputados, completam-se os 285 assentos da Assembleia Nacional, dos quais 282 foram preenchidos nas eleições gerais realizadas em 25 de maio de 2025.

Esse processo eleitoral indígena foi conduzido em nove estados com significativa presença populacional indígena: Amazonas, Anzoátegui, Apure, Bolívar, Delta Amacuro, Monagas, Sucre, Zulia e a recém-criada Guayana Esequiba (instituída pela Lei Orgânica para a Defesa da Guayana Esequiba, promulgada em abril de 2024).

Um total de 6.451 porta-vozes comunitários participaram do processo. Esses representantes foram previamente escolhidos por meio de assembleias comunitárias realizadas ao longo do mês de abril de 2025, representando coletivamente 169.451 indígenas pertencentes a 3.952 comunidades reconhecidas. Os procedimentos de seleção respeitam os sistemas normativos próprios de cada comunidade.

Por exemplo, no estado de Anzoátegui, foram eleitos 256 representantes indígenas em 179 assembleias dos povos Cumanagoto, Kariña, Inga, Píritu e Warao. Em Delta Amacuro, o processo incluiu a eleição do “aidamo”, líder máximo das assembleias indígenas.

A base legal para esse processo encontra-se em diversos instrumentos normativos do ordenamento jurídico venezuelano. O artigo 125 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela estabelece:
“Os povos indígenas têm direito à participação política. O Estado garantirá a representação indígena na Assembleia Nacional e nos corpos deliberativos das entidades federais e locais com população indígena, conforme estabelecido por lei.”

Essa diretriz constitucional é regulamentada pela Lei Orgânica dos Povos e Comunidades Indígenas (2005), cujo artigo 67 dispõe que o exercício do direito à participação política deve considerar os usos, costumes e tradições dos povos indígenas.

O artigo 66 da mesma lei estende o direito à representação aos níveis subnacionais — estados, municípios e paróquias — impondo a obrigatoriedade da presença formal de representantes indígenas nos conselhos legislativos, municipais e juntas paroquiais, quando pertinente.

A Lei Orgânica dos Processos Eleitorais (2009) complementa esse arcabouço. O artigo 183 determina que:
“Em cada estado, estabelecido como circunscrição indígena, com população igual ou superior a quinhentos indígenas, será eleito um legislador ou legisladora para os conselhos legislativos, com seu respectivo suplente, desde que tal população esteja organizada em comunidades indígenas cujas decisões sejam coletivas.”
O artigo 184 prevê disposição análoga para a eleição de vereadores.

O artigo 186 define os requisitos para a candidatura indígena, incluindo nacionalidade venezuelana, fluência em idioma indígena, e ter exercido cargo de autoridade tradicional ou demonstrado trajetória na luta pelos direitos dos povos indígenas.

Esse conjunto normativo posiciona a Venezuela entre os países latino-americanos que implementaram medidas afirmativas para garantir a inclusão política dos povos indígenas, conforme os parâmetros internacionais de direitos coletivos e democracia participativa.

Panorama Comparativo na América Latina

Outros países da América Latina também adotaram mecanismos semelhantes. A Constituição da Colômbia (1991), por exemplo, garante, no artigo 171, duas cadeiras no Senado para comunidades indígenas, mediante circunscrição especial, com exigência de que os candidatos tenham exercido liderança tradicional ou representado organizações indígenas.
O artigo 176, por sua vez, assegura a representação da comunidade raizal do Departamento de San Andrés, Providencia e Santa Catalina por meio de uma circunscrição territorial específica.

O sistema boliviano, consagrado na Constituição de 2009 e regulamentado pela Lei do Regime Eleitoral nº 026 (2010), oferece um modelo avançado de integração da representação indígena, em consonância com o caráter plurinacional do Estado.
O artigo 26 (II) afirma que os processos eleitorais devem respeitar as normas e procedimentos próprios dos povos indígenas, garantindo-lhes representação direta nos níveis departamentais e nas regiões autônomas.

No México, reformas eleitorais recentes consolidaram a existência de circunscrições específicas em territórios com predominância indígena, assegurando que os representantes legislativos sejam membros efetivos dessas comunidades.
Na Nicarágua, em cumprimento a decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, partidos políticos de origem indígena participam dos processos eleitorais nacionais e regionais.

No Chile, embora a proposta de reforma constitucional não tenha sido aprovada, a Convenção Constituinte de 2021–2022 contou com um registro eleitoral indígena especial, garantindo a eleição de representantes proporcionais à sua população no país.

Países como Panamá e Peru também adotaram normas que obrigam os partidos políticos a incluir candidatos indígenas em suas listas eleitorais.

Experiências Fora da América Latina

Fora da América Latina, existem diferentes modelos institucionais que asseguram a participação política dos povos originários. No norte da Europa, o povo sami, presente na Noruega, Suécia e Finlândia, conta com parlamentos próprios que mantêm interlocução com os sistemas políticos nacionais.
Na Federação Russa, representantes indígenas da região autônoma de Khanty-Mansiysk integram a Duma regional.

Na Nova Zelândia, o povo maori possui representação garantida no Parlamento desde 1867. Desde 1996, o número de cadeiras varia conforme o número de eleitores registrados na lista eleitoral maori, atualmente totalizando sete deputados.

Na África do Sul, a Câmara Nacional de Líderes Tradicionais, criada por lei em 2003, tem função consultiva sobre projetos de lei que impactem comunidades tradicionais. No Burundi, o povo barwa tem assentos assegurados na Assembleia Nacional e representação na Comissão Nacional de Terras.

Considerações Finais

Apesar desses diversos exemplos — que não esgotam a totalidade de casos existentes —, é notável a escassa atenção que a temática da representação indígena recebe nos meios de comunicação, nos debates políticos e mesmo na produção acadêmica.
Em um contexto no qual se multiplicam as vozes que denunciam uma crise da democracia, poucos observam os esforços institucionais voltados à construção de mecanismos participativos mais inclusivos e culturalmente sensíveis, em consonância com a diversidade sociocultural dos Estados contemporâneos.