O Parlamento francês votou em 19 de dezembro à noite o projeto de lei sobre imigração denominado “pour contrôler l’immigration, améliorer l’intégration” que, de acordo com vários analistas, significa um evidente retrocesso no reconhecimento e proteção dos direitos das pessoas.[1]
O texto final aprovado, preparado por uma Comissão Mista criada para isso, foi precedido por muitos debates que têm significado até mesmo desavenças dentro do oficialismo, cujas consequências futuras estão para ser visto.
Primeiro, o Senado, onde a direita é majoritária, aprovou o texto por 214 votos, contra 114. Posteriormente, na Assembleia Nacional (Câmara Baixa), os legisladores deram luz verde, com 349 votos a favor e 186 contra.
O objetivo reconhecido desta reforma legal é tornar menos atraente o modelo social francês, que alguns classificam como o como o país europeu mais favorável aos estrangeiros, o que, segundo se diz, favorece um aumento da chegada de imigrantes para o país.
No entanto, os dados oficiais das próprias instituições francesas dão conta de que a imigração em França é ligeiramente menor que o dos países do ambiente.
No ano de 2021 as pessoas nascidas no estrangeiro eram 6,96 milhões de pessoas, o 10,3% da população —o 21,7%, se se tiverem em conta os descendentes de imigrantes, quando na Alemanha, o percentual era de 18,2%, o 17,9% na Bélgica, o 15,2% em Portugal ou 14% nos Países Baixos.[2]
O fluxo de migrações em França começou a crescer com a Revolução Industrial no século XIX e se atirou no período de entre-guerras, quando muitos espanhóis e italianos fizeram as malas para satisfazer as necessidades de mão-de-obra de uma indústria francesa em expansão e também na agricultura.
Após a Segunda Guerra Mundial e com os processos de descolonização, Argélia e, posteriormente, o restante dos países do norte africano, começaram a concentrar a maior parte de chegadas, mas também houve ondas pontuais, como a espanhola —que alimentou principalmente a indústria do automóvel e da siderurgia— ou a portuguesa durante a década de 1960.
A partir de 1974, aumentou muito a imigração por agrupamento familiar. Desde então, o fluxo de mulheres estrangeiras não parou de aumentar até superar a imigração masculina —em 2021 protagonizaram 52% das chegadas—.
A Ilha de França, onde se localiza Paris, é a região que, hoje, a imigração responde por 20% da população local e 38,2% da população imigrante nacional.
O ponto que mais polémica levanta a lei aprovada é a distinção entre estrangeiros não comunitários e outros imigrantes para o acesso às prestações sociais, definindo também o requisito de estar trabalhando para ter acesso às prestações.
Para os abonos de família, o direito exigível, à moradia e o subsídio personalizado de autonomia foi definido um período de cinco anos para os que não trabalham. Para os que trabalham, o período é de 30 meses.
Para acessar a prestação de ajuda da habitação fixou-se uma condição de residência de cinco anos para os que não trabalham, e de três meses para os demais. Os refugiados e os titulares de autorizações de residência também ficam excluídos de todas estas medidas. As novas restrições não se aplicam aos estudantes estrangeiros.
Foi informado que a regularização dos sem-papéis será feita caso a caso e sob a responsabilidade dos prefeitos das regiões. Algo que preocupava era a assistência médica aos migrantes irregulares, algo que o primeiro-ministro já confirmou que não será removida.
Também a lei estabelece cotas plurianuais de imigração.
Se traz de volta o crime de residência ilegal punido com uma multa que chega a mais de 3.000 euros, e pode até chegar a penas de prisão. Em 2012, o então presidente Hollande, que eliminou o crime, que agora se reimplanta.
Apesar de que, a lei já foi aprovada, ainda há vários passos. Agora, ele deve passar para o tribunal Constitucional que terá que rever cuidadosamente para assegurar-se de que nenhum ponto vai contra a Carta Magna
Várias vozes se manifestaram abertamente contra estas alterações legislativas, incluindo o Movimento de Empresas da França, cujo líder, Patrick Martin, ressaltou que a economia francesa vai precisar de “massa” “mão-de-obra imigrante” nas próximas décadas.
[1] https://www.senat.fr/leg/pjl23-224.html
[2] https://www.insee.fr/fr/statistiques/3633212#onglet-1