O Relator Especial das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento, Sr. Surya Deva, apresentou um relatório abrangente durante o 60º período de sessões do Conselho de Direitos Humanos, no qual expõe os profundos desafios estruturais enfrentados pela nação centro-americana na busca por um modelo de desenvolvimento inclusivo, sustentável e plenamente respeitoso dos direitos humanos — especialmente dos Povos Indígenas e das comunidades afrodescendentes.
O relatório identifica como cerne do problema o modelo de desenvolvimento extrativista que historicamente sustentou o crescimento econômico de Honduras.
Esse modelo — baseado na exploração em larga escala de recursos naturais, como a mineração e os monocultivos agroindustriais — gerou alguns ganhos econômicos; contudo, também foi acompanhado por violações sistemáticas de direitos humanos, deslocamentos forçados, conflitos territoriais e grave degradação ambiental.
“A sustentabilidade ambiental e os direitos das comunidades não podem mais ser sacrificados em nome do desenvolvimento econômico”, afirma o Relator no documento.
Além disso, Honduras enfrenta uma interseção complexa de crises sobrepostas: instabilidade política, violência estrutural, pobreza generalizada, migração em larga escala e vulnerabilidade climática extrema.
A pandemia de COVID-19 evidenciou e agravou as desigualdades sociais já existentes, especialmente em áreas rurais e indígenas.
Povos Indígenas: Marginalização Histórica e Resistência Contínua
Uma parte significativa do relatório é dedicada a documentar as múltiplas e persistentes formas de exclusão enfrentadas pelos povos indígenas e afro-hondurenhos, que representam aproximadamente 7% da população nacional.
Essas comunidades sofrem com níveis desproporcionais de pobreza (até 80% vivem abaixo da linha da pobreza), acesso precário a serviços essenciais, discriminação estrutural e criminalização por reivindicar seus direitos.
Uma das questões mais alarmantes é a apropriação de terras ancestrais para projetos extrativistas ou de infraestrutura — muitos deles aprovados sem o consentimento livre, prévio e informado das comunidades afetadas, conforme exigido pelo direito internacional.
Casos emblemáticos, como o da represa de Agua Zarca — associada ao assassinato da líder lenca Berta Cáceres em 2016 — ilustram os padrões de violência e impunidade que cercam tais empreendimentos.
O Relator Especial elogiou iniciativas recentes do governo, como o compromisso presidencial de emitir títulos definitivos de propriedade para 9.604 hectares a 27 comunidades misquitas e garífunas no município de Juan Francisco Bulnes, no departamento de Gracias a Dios, beneficiando aproximadamente 23 mil habitantes da Reserva da Biosfera do Río Plátano.
Apesar desse e de outros avanços, a maioria dos povos indígenas ainda carece de títulos fundiários oficiais, o que os coloca em situação de extrema vulnerabilidade.
O relatório também destaca a exclusão dos povos indígenas dos processos de tomada de decisão nacional e a desvalorização de seus sistemas próprios de governança.
“A exclusão política não apenas viola seus direitos, como também compromete a legitimidade e a sustentabilidade de qualquer iniciativa de desenvolvimento”, alerta o relatório.
Educação, Saúde e Serviços: Lacunas Estruturais que Perpetuam a Desigualdade
A falta de acesso a uma educação e saúde de qualidade em comunidades indígenas e rurais constitui outro grande obstáculo ao desenvolvimento equitativo. Muitas escolas carecem de infraestrutura adequada, professores capacitados e currículos culturalmente pertinentes. A educação bilíngue é limitada e subfinanciada.
No setor da saúde, o panorama também é preocupante. O acesso aos cuidados médicos básicos é extremamente restrito, e as mulheres indígenas enfrentam taxas elevadas de mortalidade materna devido à falta de serviços adequados.
O acesso à água potável é outra questão crítica, frequentemente agravada pela contaminação causada por atividades mineradoras ou projetos energéticos.
O relatório também denuncia o racismo estrutural e a criminalização de líderes indígenas, muitos dos quais são alvo de ameaças, assédio e processos judiciais por sua atuação na defesa de seus territórios e do meio ambiente.
Avanços e Desafios Persistentes
Apesar do cenário geral adverso, o Relator Especial reconheceu alguns avanços.
O governo hondurenho manifestou sua intenção de transitar para um modelo de desenvolvimento mais democrático, inclusivo e ambientalmente sustentável.
Foram abertos espaços de diálogo com a sociedade civil, e iniciou-se um processo de titulação de terras em determinadas regiões.
Entretanto, esses esforços ainda são incipientes e enfrentam grandes desafios, como a falta de vontade política duradoura, a limitada capacidade institucional e a ausência de dados desagregados, essenciais para a formulação de políticas públicas eficazes voltadas aos grupos mais vulneráveis.
Como proposta central, o Sr. Deva recomenda a elaboração de uma estratégia nacional de desenvolvimento até 2040: um marco de políticas de Estado com metas claras de curto, médio e longo prazo, voltado para um desenvolvimento inclusivo, participativo e sustentável.
Essa estratégia deve ser construída com a participação do Estado, da sociedade civil, dos povos indígenas, das comunidades afrodescendentes e do setor privado.
“Sem uma estratégia nacional pactuada, será impossível romper com os ciclos históricos de desigualdade e exclusão que têm obstaculizado o desenvolvimento de Honduras”, conclui o Relator.
Recomendações Centrais: Terra, Participação e Acesso a Serviços
O relatório encerra-se com uma série de recomendações estratégicas ao Estado hondurenho, destacando-se:
- Assegurar a propriedade coletiva das terras indígenas e proteger seus territórios contra invasões e apropriações ilegais.
- Garantir o consentimento livre, prévio e informado para todos os projetos de desenvolvimento que afetem os povos indígenas.
- Incluir os conselhos indígenas nos processos de tomada de decisão sobre o uso da terra e a gestão de recursos naturais.
- Investir substancialmente em educação, saúde, água potável, eletricidade e acesso à internet nas zonas rurais e indígenas.
- Cessar a criminalização de líderes indígenas e garantir sua segurança e integridade.
- Promover o empreendedorismo indígena por meio de microcréditos e capacitação profissional.
- Reconhecer e fortalecer as línguas e culturas indígenas como parte essencial do desenvolvimento nacional.
O relatório do Sr. Surya Deva representa um chamado urgente à revisão profunda do modelo de desenvolvimento de Honduras, com base nos direitos humanos, na equidade e na sustentabilidade.
O crescimento econômico, por si só, não é suficiente; é indispensável incluir aqueles historicamente marginalizados, proteger o meio ambiente e garantir que o progresso não seja construído às custas das comunidades mais vulneráveis.