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Foto: Ylvers en Pixabay

Incêndios florestais, políticas públicas e negócios lucrativos

06 fevereiro, 2024 | Ricardo Changala

No início do ano, as chamas estão queimando boa parte das matas, florestas e campos de altitude do continente americano.

No Equador, os dados da Secretaria de Gestão de Riscos indicam que, entre o 1 e 31 de janeiro de 2024 , até à data, 14 províncias, 41 cantões e 78 paróquias foram afetados por 102 incêndios florestais, ocasionando a perda de 1.620,67 hectares de cobertura vegetal. As províncias com mais de 100 hectares de perda de cobertura vegetal queimada são: Carchi, Pichincha e Chimborazo.

Na Colômbia, se bem que se informou que nas últimas semanas havia sido extinto 443 incêndios, sobre fins-de-janeiro se registravam 17 incêndios ativos, exacerbados pelo intenso calor e a escassez de chuvas, causada pelo fenômeno El Niño.

As queimadas que foram apresentadas ao longo dos últimos dias no país, não só foram ocasionadas por conta do fenômeno do El Niño, mas a Polícia Nacional confirmou que vão 26 capturas de pessoas relacionadas com crimes de incêndios.

Na Argentina, no momento de ler estas linhas, continua descontrolado o tremendo incêndio no Parque Nacional Los Alerces cujas chamas já destruíram mais de 2000 hectares queimando florestas nativas com espécies tais como a ñire, laura, cana cohiue e a lenga, em um lugar da Patagônia que é um dos Sítios do Patrimônio Mundial Natural declarados pela UNESCO.

Apesar de que a principal hipótese é de que os incêndios foram intencionais, ainda não há detidos nem foram estabelecidas responsabilidades concretas sobre estes fatos.

No entanto, o 28 de janeiro se conheceram declarações do Governador da província de Chubut, Ignacio Agostinho Torres, responsabilizando como autores intelectuais dos incêndios a uma suposta organização integrada por pessoas pertencentes ao povo mapuche. Evidentemente, estas afirmações, além de alimentar o ódio e a discriminação racial, desviam a atenção das verdadeiras causas deste desastre florestal.

Moira Millán, conhecido referente mapuche da comunidade Pillán Mahuiza anunciou que vai iniciar uma queixa judicial contra o governador de Chubut, por suas declarações que chamou de irresponsáveis com expressões que não só representam um perigo e têm uma clara conotação racista, mas que, além disso, evita-se perguntar a quem beneficiam estes incêndios.

“A montanha, o lago, a vida, a Mapu (terra) é mais importante que a nossa vida; o povo mapuche tem a responsabilidade de sustentar a vida nos territórios, e não de gerar morte”, disse Millan.

Além disso, na Argentina, como está acontecendo em outros países da região (Peru, por exemplo), há um embate político por diminuir ou diretamente eliminar, os quadros normativos e institucionais relacionados com a proteção das florestas naturais e os serviços de combate a incêndios ou outras ameaças sobre esses lugares.

É bom lembrar que o desmatamento diminuiu significativamente desde que foi sancionada uma lei no ano de 2007, que regulamentou o uso e exploração das florestas. Segundo dados do Greenpeace, desceu deforestar 300 000 hectares por ano cerca de 136.473 hectares no ano de 2016.

O novo governo argentino que se apresenta e atua com vontade refundadores, entre outras tantas medidas que tem impulsionado para atender a chamada de emergência nacional, pretende, por um lado, modificar sustantivamente as condições de trabalho das trabalhadoras nos parques nacionais, com o consequente prejuízo para o serviço. Ao mesmo tempo, promove o desfinanciamiento dos fundos que se destinam a cobrir os investimentos necessários para a preservação das florestas.

Embora o texto que considera-se atualmente no Congresso eliminou algumas das piores cláusulas vinculadas a esta temática, de ser aprovado, sem dúvida, haverá de reduzir as capacidades de controle do desmatamento e dos incêndios florestais.

Em qualquer caso, é incompreensível como este tipo de medidas podem ser úteis para atender a emergência social e económica invocada pelo executivo nacional ao enviar a iniciativa.

As práticas de queima de florestas, selvas e prados, bem como as precárias ações de previsão e resposta por parte das instituições estatais que ocorrem ao longo e largo do continente, demonstram que o problema é grave e que não se trata de correspondência ou de atos isolados.

Além dos casos mencionados, muitos outros países foram afetados pelas chamas em anos anteriores e também atualmente.

É claro que as alterações causadas pelo aquecimento global, a mudança climática ou os fenômenos da Menina e a Criança devem ser considerados e atendidos, mas não conseguem explicar o problema na sua globalidade.

Boa parte dos incêndios são provocados, o que se faz com a evidente finalidade de acabar com as florestas naturais para criar condições favoráveis para destinar a usos agrícolas, pecuários ou de outro tipo dessas terras que já não podem voltar às suas condições anteriores.

A mesma causa se aplica para o desinteresse em manter eficientes sistemas estatais de proteção de florestas ou de legislação adequada para a previsão e punição contra quem violentan a norams. Mesmo neste último aspecto, nem sequer pode argüirse o reiterado recurso da diminuição de “despesas” – estatais, já que não tem algum impacto significativo nas contas públicas.

Os incêndios de matas e florestas, afetam não apenas as espécies vegetais e animais, mas também as pessoas que ali habitam ou que se alimentam de seus recursos para sobreviver.

A grande maioria dos que habitam esses lugares são comunidades indígenas que desde sempre conservaram-se nestes territórios.

As comuidades podem ser incômodos obstáculos contra os vorazes objetivos de lucro das grandes empresas extrativistas e até mesmo para o tráfico de drogas. Ao contrário, para esses setores empresariais, os incêndios são funcionais a seus interesses.

Neste contexto, é de destacar o recente apelo feito pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, oferecendo ajuda a seu homólogo colombiano, Gustavo Petro, para combater os incêndios que também ocorrem em seu próprio país, ao mesmo tempo em que propôs “avançar nos esforços de combate aos focos de incêndio no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).

Mas, Justamente, para atender a crise ambiental na amazônia, a cúpula da OTCA (Brasil, EP Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e RB Brasil) de agosto de 2023, adotaram a Declaração de Belém, onde, entre outras coisas, comprometeram-se a garantir os direitos dos povos indígenas, dos territórios e terras, a sua posse plena e efetiva, considerando os saberes e as práticas de conservação ancestral.

Também assumiram o compromisso de estabelecer o Mecanismo Amazônica dos Povos Indígenas, para fortalecer e promover o diálogo entre os governos e os povos indígenas

Mas, além disso, no âmbito do mesmo fórum, foi emitido um comunicado conjunto de vários presidentes já não só da região amazônica, mas de outros países com grandes extensões florestais da Ásia e da África e do Caribe.[1]

No e-mail intitulado “Unidos por Nossas Florestas: Comunicado Conjunto dos Países Florestais em Desenvolvimento em Belém” as autoridades, além de reafirmar seu compromisso com a preservação das florestas, a redução dos impulsores do desmatamento e da degradação florestal, a conservação e valorização da biodiversidade e da busca de uma transição ecológica, justa, manifestam estar convencidos de que

“nossos bosques podem ser centros de desenvolvimento sustentável e fontes de soluções para os desafios nacionais e mundiais de sustentabilidade, conciliando desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente e o bem-estar social, especialmente dos povos indígenas e das comunidades locais, inclusive por meio do desenvolvimento de mecanismos inovadores que devem reconhecer e promover os recursos/serviços dos ecossistemas e a conservação e o uso sustentável da biodiversidade”.

Passaram vários meses de estas declarações, sem que saibamos que tenham implementado da forma acordada.

Em todo caso, mostra-nos um caminho sustantivamente diferente do que agora mesmo está percorrendo em outras partes do continente, fazendo centro em que se deve: a proteção da natureza, dos povos e comunidades que nela habitam e a promoção de formas de desenvolvimento que respeitem as diferentes visões de mundo no diálogo entre a tecnologia e os conhecimentos ancestrais.

Esta é uma verdadeira emergência dos tempos atuais, porque o desaparecimento da natureza, dos povos e suas culturas não há retorno possível.

 

 

[1] Presidentes e Chefes de Delegação da Bolívia, Brasil, Colômbia, República Democrática do Congo, Equador, Guiana, Indonésia, Peru, República do Congo, São Vicente e Granadinas, Suriname e Venezuela, reunião em Belém do Pará, 9 de agosto de 2023