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Foto: Tung Nguyen en Pixabay

Novidades globais e regionais sobre a regulação da Inteligência Artificial

11 abril, 2024 | Ricardo Changala

Ramiro Rosario, vereador na Câmara Municipal de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, desejava promover uma norma para exonerar os contribuintes do pagamento de compensações diante do roubo de hidrômetros.

Talvez por curiosidade tecnológica, economia de tempo, molicie ou todas essas razões ao mesmo tempo, você teve a ideia de pedir à ferramenta ChatGPT que preparasse um projeto de lei municipal para você.

Segundo o próprio Rosário, o assistente virtual elaborou em poucos segundos um texto com oito artigos, incluindo sua justificativa e também a sugestão de mudanças na proposta inicial sugerida pelo vereador.

O vereador apresentou a iniciativa como a recebeu do ChatGPT, recebeu o parecer favorável das autoridades legislativas locais e, finalmente, em 18 de outubro de 2023, foi aprovada pelo Plenário da Câmara Municipal.

Rosário contou a forma como o projeto foi elaborado, somente após o término do processo legislativo, no dia 23 de novembro, quando o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, adotou a nova lei.

Conhecidos os fatos, abriu-se um debate no município gaúcho.

Enquanto Rosario defendeu sua atuação e manifestou que a inteligência artificial melhorará a produtividade, o presidente da Câmara Municipal assinalou que o ocorrido senta um antecedente perigoso, que pode provocar impactos imprevistos em casos de leis mais complexas e que é necessário um marco legal para a inteligência artificial.

Outras opiniões se concentraram em tirar relevância da forma como se elabora um projeto de lei, ressaltando que, onde se requer necessariamente a presença humana é no momento de debater e aprovar as leis no órgão legislativo.

Reconhecido ou não, seguramente situações similares à narrada antes devem estar ocorrendo em muitas instituições públicas e em entidades privadas, ao longo e largo do planeta.

Tudo indica, então, que se faz necessário construir quadros jurídicos apropriados para atender à inteligência artificial (AI) que visa desenvolver-se cada vez mais.

Isso já foi entendido há anos tanto por organismos internacionais quanto por vários Estados que avançaram na temática.

A nível global, destacam-se os princípios da IA adotados pela Comissão de Inteligência Artificial da organização para a cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e também a recomendação sobre a Ética da Inteligência Artificial do ano 2021 da UNESCO que fornece uma estrutura universal de valores, princípios e ações para orientar os Estados e privados na formulação de suas leis, políticas ou outros instrumentos relativos à IA, de acordo com o, a fim de assegurar a incorporação da ética em todas as fases do ciclo de vida dos sistemas de IA.

A União Europeia avançou consideravelmente nesta relevante temática.

Em 9 de dezembro de 2023, a presidência do Conselho Europeu e os negociadores do Parlamento Europeu chegaram a um Acordo Provisório sobre uma proposta que estabelece normas harmonizadas sobre Inteligência artificial (IA), iniciativa que foi denominada “Lei da inteligência artificial”.

O projeto visa garantir que os sistemas de IA colocados no mercado e utilizados na UE sejam seguros e respeitem os direitos e valores fundamentais da UE. A proposta também visa estimular o investimento e a inovação em IA na Europa.

A ideia principal é regular a inteligência artificial (IA) com base em sua capacidade de causar danos à sociedade, seguindo uma abordagem baseada em risco: quanto maior o risco, normas mais rígidas.

A iniciativa inclui regulamentação sobre modelos de IA de alto impacto que podem causar riscos sistêmicos no futuro, bem como um sistema de governança com alguns poderes de execução a nível da União Europeia, bem como requisitos e obrigações para acessar o mercado DA UE.

Esses requisitos foram esclarecidos e ajustados de forma a serem tecnicamente viáveis e menos onerosos para as partes interessadas cumprirem, por exemplo, no que diz respeito à qualidade dos dados ou em relação à documentação técnica que as pequenas e médias empresas devem elaborar para demonstrar que seus sistemas de IA de alto risco atendem aos requisitos.

O Acordo Provisório proíbe, por exemplo, a manipulação cognitivo-comportamental, a coleta não seletiva de imagens faciais da internet ou de gravações de circuito fechado de televisão (CCTV), o reconhecimento de emoções no local de trabalho e em instituições educacionais, a pontuação social, a categorização biométrica para inferir dados sensíveis, como orientação sexual ou crenças religiosas, e alguns casos de polícia preditiva para indivíduos.

Também é proibida a pontuação baseada em comportamentos sociais ou características pessoais, sistemas de IA que manipulam o comportamento humano para contornar seu livre arbítrio, bem como o uso de IA para explorar as vulnerabilidades das pessoas (devido à idade, deficiência, situação social ou econômica).

Globalmente, em 21 de março de 2024, a Assembleia Geral da ONU aprovou por aclamação uma resolução sobre a promoção de sistemas de inteligência artificial “seguros e confiáveis” que beneficiem o desenvolvimento sustentável para todos, no pleno respeito pela proteção e promoção dos Direitos humanos no projeto, desenvolvimento, implantação e uso da IA.

A histórica resolução (primeira vez que o órgão toma uma resolução sobre a temática) foi apresentada pelos EUA, mas “patrocinada” por mais de 120 países, o que reflete uma notável aquiescência sobre o aprovado.

Mais recentemente, no dia 5 de abril de 2024, no encerramento da 55 sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o órgão adotou cinco resoluções relacionadas com a situação dos Territórios palestinos incluindo a denúncia do uso de inteligência artificial para auxiliar na tomada de decisões militares em conflitos que possam contribuir para crimes internacionais.

Nesse sentido, o Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, manifestou sua preocupação devido a relatórios que indicam que a campanha de bombardeios do exército israelense inclui a inteligência artificial como ferramenta na identificação de alvos, especialmente em zonas residenciais densamente povoadas, o que provoca um alto nível de vítimas civis.

Ele também expressou que “a inteligência artificial deve ser usada como uma força do bem para beneficiar o mundo; não para contribuir para fazer a guerra em nível industrial, desfocando a responsabilidade”.

Quanto ao que aconteceu em países específicos, um estudo recente dá conta de vários esforços governamentais para a regulação da IA e sua integração na tecnologia dos serviços públicos[1].

É o caso da República da Coréia, que incorporou a IA em sua Plataforma Digital do governo, ou do Reino Unido, que tenta melhorar seu Serviço Nacional de saúde, apoiando a pesquisa e inovação de novas tecnologias de detecção de doenças por IA.

O relatório mencionado divulga um ranking global sobre o desenvolvimento da IA no planeta no qual, a América Latina e o Caribe (LAC) apresenta uma pontuação média de 41,50, ficando em sexto lugar entre as 9 regiões cobertas. Dentro da região há disparidades notáveis: por exemplo, o Brasil, que ocupa o primeiro lugar, está quase 42 pontos à frente do Haiti, que ocupa o último lugar com 21, 97.

Cinco países, Brasil, Chile, Uruguai, Colômbia e Argentina se destacam do resto, com pontuações entre 63,70 e 57,72 pontos. A República Dominicana se destacou recentemente por ser o primeiro país do Caribe a lançar sua Estratégia Nacional de IA. Cuba, Jamaica e México também anunciam ações concretas no futuro imediato sobre esta temática.

Em 2023, um dos desenvolvimentos mais destacados na região foi a assinatura da Declaração de Santiago por parte de 20 governos da América Latina e do Caribe, como resultado principal da Cúpula de ministros e Altas Autoridades da América Latina e do Caribe sobre Inteligência Artificial, organizada pelo CAF (Banco de desenvolvimento da América Latina), a UNESCO e o governo do Chile[2].

A declaração reconhece a necessidade de envolvimento proativo por parte dos governos para aproveitar as oportunidades oferecidas pela IA, ao mesmo tempo em que aborda seus riscos. Este é um passo relevante no que diz respeito à colaboração regional na preparação para a IA.

Na Declaração, os Estados decidiram:

Aprofundar o diálogo regional sobre o desenvolvimento e a implantação da IA na região, de um ponto de vista que reflita as necessidades e interesses da América Latina e do Caribe.

Aprovar o estabelecimento de um Grupo de trabalho com vistas à constituição de um Conselho Intergovernamental de Inteligência Artificial para a América Latina e o Caribe, no marco da Recomendação sobre a Ética da IA da UNESCO, com o propósito de fortalecer as capacidades regionais na matéria.

A urgência e enorme importância da temática não admite atrasos nem renúncias, pelo que é de se esperar que os acordos alcançados em Santiago dêem lugar a ações efetivas que lhes dêem concretização.

[1] Oxford Insights, Government AI Readiness Index, UK, December 2023

[2] Cúpula de Ministros e Altas Autoridades da América Latina e do Caribe Santiago do Chile, 23-24 de outubro de 2023, Declaração de Santiago “Para promover a inteligência artificial ética na América Latina e no Caribe”.