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Foto: wikimedia

O governo argentino não tem título legítimo para reivindicar custos para as organizações sociais

18 janeiro, 2024 | Miguel Julio Rodríguez Villafañe

Desde o Ministério de Segurança que leva Patricia Bullrich, através de várias cartas documento, assinado por Martinho Siracusa, secretário de Coordenação Administrativa do Ministério, em 10 de janeiro de 2024, se ordenou a diversos sindicatos e organizações sociais, ao pagamento solidário de $ 40.419.227,56, dos supostos gastos em segurança gerados, em protesto realizado no dia 27 de dezembro de 2023, que se dirigiu aos Tribunais, em frente à Praça Lavalle, para apresentar o pedido de uma medida cautelar contra o DNU 70/23. Se lhes ordenou que “participaram da interrupção total ou parcial do trânsito de veículos”.

 A intimação foi fundada na Resolução Ministerial 943/23 “Protocolo para a manutenção da ordem pública, ante o corte de vias de circulação”.

As organizações que as ordenou o pagamento são: a União dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Economia Popular (UTEP); o Sindicato de Imprensa de Bs. As. (SIPREBA); o Sindicato Único de Trabalhadores do Pneu Argentino (SUTNA); a União Operária da Construção da República Argentina (UOCRA); o sindicato dos Caminhoneiros; Central de Trabalhadores Argentinos (CTA); Agrupamento Esquerda Socialista; a União Operária Metalúrgica (UOM); CTA Autónoma; a Federação Marítima e Portuária da Indústria Naval (FEMPINRA); a Associação do Pessoal dos Organismos de Previdência Social (APOPS); a União de Funcionários de Justiça da Nação (UEJN); a Associação Civil Polo Operário; o Movimento Socialista dos Trabalhadores (MST), o Movimento Independente de Aposentados e Desocupadas (MIJD) e a Federação Nacional de Professores, Pesquisadores e Criadores Universitários (Conadu Histórica).

O pagamento se reclama, no prazo peremptório de dez dias úteis a contar da recepção da carta documento. Estabelece que a cobrança pretendido é “no conceito de custos operacionais, que foram usados para fazer cessar os actos ilegais, em vista da manutenção da ordem pública”.

Tudo isso, “está sujeito a iniciar as ações legais pertinentes”.

O operado se pretende justificar, conforme estabelecido pela disposição ministerial 943/23, que estabelece que, se pode exigir judicialmente as organizações e as pessoas individuais que resultaren responsáveis pelo custo dos operacionais que tenham exibido para fazer cessar os actos ilegais”, (art. 11).

Acionar inconstitucional

A ministra Bullrrich, ao proferir o “Protocolo”, violou gravemente os artigos 14 e 28 de Const. Nac., porque o direito à liberdade de expressão só pode regular o Poder Legislativo, ou seja, através de uma lei. Da mesma forma, estabelece o art. 15 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José), que tem hierarquia constitucional (art. 75, inc. 22).

Ainda mais, assumiu faculdades legislativas que não tem ela, nem o próprio Presidente, em exercício do ditado de decretos de necessidade e urgência, de acordo com o artigo 99, inc. 3 da Constituição Nacional. Tão é assim, que, inclusive, o Protocolo dispõe aspectos de natureza penal, é proibido pela constituição, ao sustentar que uma marcha no uso da liberdade de expressão, deve entendérsela como um crime “em flagrante” que habilita a agir a polícia diretamente e, recentemente, em seguida, comunicar ao juiz ou fiscal competente a situação, (art. 2).

Também estabelece a Resolução 953, entre outras irregularidades, graves sanções, como no caso que se analisa, de pretender cobrar os custos associados com a operação de segurança. Além disso, se ameaça com o controle extorsiva dos organismos de defesa de menores, pelo simples fato de que seus pais tenham ido com bebês ou crianças a uma manifestação pacífica, (art. 10). Neste último aspecto, é dada a violação discriminatória, ao direito de liberdade de expressão, de pais que não têm com quem deixar seus filhos para reclamar por seus direitos.

O referido, dado o disposto no artigo 99, inc. 3 da Constituição, que determina a punição para este tipo de casos, deixa claro que o Protocolo, constituiu um ato nulo, de nulidade absoluta e insanable.

Portanto, algo que é nulo e insanable, que não nasceu, não pode gerar efeitos e menos justificar, como se tivesse um título legítimo, a cobrança de despesas.

Liberdade de expressão

Além disso, cabe lembrar que o direito de petição às autoridades próprio do direito à liberdade de expressão, o que implica o direito de reunião, para a mobilização e protesto social e, como tal, não devem ser criminalizadas ou censuradas como tais. Na Argentina, são direitos básicos e que nascem, além disso, a soberania do povo (arts. 14, 32 e 33 Const. Nac.).

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que interpreta o Pacto de San José, antes referido, foi sustentado, que “o exercício da democracia requer, como pressuposto, o exercício pleno dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Assim, a criminalização da legítima mobilização e protesto social, seja através da repressão direta aos manifestantes, ou através da iniciação de processos judiciais, é incompatível com uma sociedade democrática, onde as pessoas têm o direito de manifestar sua opinião”.

As manifestações públicas implicam em uma necessidade desesperada de ganhar visibilidade à problemática que se expressa em uma sociedade democrática, o espaço urbano é um espaço de participação e não deve lidar com isso como que é apenas um âmbito de circulação.

Você pode adicionar, como diz o Relatório do ano de 2005, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) que, “no momento de fazer um balanço entre o direito de trânsito, por exemplo, e o direito de reunião, cabe ter em conta que o direito à liberdade de expressão não é um direito mas, em todo caso, um dos primeiros e mais importantes fundamentos de toda a estrutura democrática: minando a liberdade de expressão afeta diretamente o nervo principal do sistema democrático” (parágrafo 93).

Não há títulos legítimos para cobrar

Por sua vez, o Código Civil e Comercial da Nação (lei 26.994) determina, sob o título de “Ordem pública. Fraude à lei”, que “o ato a respeito do qual se invocar o amparo de um texto legal, que o persiga um resultado substancialmente análogo ao proibido por uma norma imperativa, considera-se dado em fraude à lei. Nesse caso, o ato deverá submeter-se à norma imperativa de que se trata de iludir” (art. 12).

Razão pela qual, uma vez que o Protocolo foi abaixando o disposto pela Constituição Nacional, a determinação de uma dívida que se funda em um Protocolo inconstitucional, nulo absoluto e insanable, é ineficaz e não se pode considerar que gera um título hábil para exigir a cobrança de qualquer um.