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Foto: Freepik

Os Desafios da Democracia Panamenha na Era das Pressões Trumpistas

10 junho, 2025

Jon Subinas (CIEPS, Panamá)

A democracia moderna do Panamá nasceu sob a sombra da invasão dos Estados Unidos no final da década de 1980. Nos anos 1990, formou-se uma nova ordem social e política, centrada na transferência do Canal do Panamá e impulsionada pela expansão da rota interoceânica. Agora, 35 anos depois, essa ordem está ameaçada por uma guinada trumpista na política externa dos EUA, que busca retomar o controle do Canal, pondo fim a décadas de cooperação estável entre Washington e o Panamá. A nova abordagem geopolítica de Trump abandona o soft power e resgata estratégias agressivas de dominação, típicas de um passado imperial.

A invasão de 1989, conhecida como “Operação Causa Justa”, derrubou o regime de Noriega e, em 1990, substituiu a liderança militar por um governo civil apoiado pela Casa Branca. Dez anos depois, o Panamá retomou o controle do Canal e, em 2006, um referendo nacional aprovou o projeto de ampliação. Isso marcou o início de um ciclo de crescimento econômico que transformou o país e lhe rendeu o apelido de “Singapura latino-americana”.

A democracia panamenha, antes elogiada em rankings regionais como o da Freedom House, o Democracy Index e o Índice de Desenvolvimento Democrático da Fundação Konrad Adenauer, se beneficiou durante anos da alternância de poder entre dois grandes partidos: o PRD (Partido Revolucionário Democrático) e o Partido Panamenhista. Essa alternância foi rompida com a ascensão de Ricardo Martinelli, cuja liderança marcou uma ruptura com o equilíbrio político anterior.

A partir de 2019, o modelo de desenvolvimento do “Singapura das Américas” começou a mostrar sinais de esgotamento, com o crescimento econômico desacelerando. Em 2020, a pandemia da COVID-19 causou uma queda de 17,9% no PIB, desencadeando a pior crise econômica em décadas. Esse colapso desestabilizou os equilíbrios políticos e econômicos construídos ao longo dos anos e provocou os maiores protestos da história democrática do país—um em 2022 devido ao aumento dos preços causado pela guerra na Ucrânia, e outro em 2023 contra um contrato de mineração que acabou sendo declarado inconstitucional.

O sistema político e econômico panamenho vinha sendo enfraquecido por dois problemas estruturais profundos: a desigualdade persistente—documentada pelo sociólogo Charles Tilly e refletida nos dados do World Income Inequality Database—e a forte percepção de corrupção, evidenciada por pesquisas de opinião. Nesse contexto, ecoam as palavras do magistrado do Tribunal de Contas, Alberto Cigarruista, que afirmou durante uma audiência orçamentária em 2022: “Neste país, todos nós roubamos”.

Desde as eleições de 2024, o novo governo enfrenta quatro grandes desafios em um cenário geopolítico latino-americano marcado pelo retorno dos EUA ao uso do hard power nas relações internacionais.

No plano interno, o governo foi forçado a reformar o sistema de pensões, depois que um dos dois subsistemas ficou sem contribuintes, gerando um grave déficit financeiro. A reforma foi polêmica e levou a uma greve geral e protestos em todo o país. Ainda no âmbito interno, o presidente José Raúl Mulino precisa lidar com o “elefante na sala”: o ex-presidente Ricardo Martinelli, que liderava o partido até ser inabilitado durante a campanha eleitoral devido a um caso de corrupção (sendo substituído por Mulino). Martinelli encontra-se atualmente asilado na Colômbia, e sua futura influência na política nacional é imprevisível.

O terceiro grande desafio diz respeito à mina de Donoso, uma das maiores minas de cobre do mundo, cuja operação foi suspensa após uma decisão judicial que declarou seu contrato inconstitucional. Em dezembro de 2024, a mineradora canadense First Quantum reuniu-se com o presidente Trump em busca de mediação. A empresa suspendeu as arbitragens internacionais para abrir uma nova fase de diálogo. Dada a frágil situação fiscal do Panamá, a tentação de reabrir a mina é evidente, mas a oposição popular é forte: pesquisas de 2025 mostram que mais de 60% da população rejeita a reabertura. Esta decisão será fundamental para a estabilidade política do país.

O quarto e mais grave desafio são as crescentes pressões do governo Trump. Desde sua posse, o presidente norte-americano declarou publicamente a intenção de retomar o controle do Canal, alegando que a rota interoceânica está sob influência da China—uma afirmação facilmente refutável. No entanto, as ameaças surtiram efeito: o governo panamenho retirou-se rapidamente de acordos comerciais com a China, como a Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road), e aceitou receber deportados dos EUA antes de chegarem a seus países de origem.

Recentemente, o governo do Panamá assinou um polêmico memorando de entendimento com as autoridades norte-americanas que, segundo críticos, permite a instalação de bases militares dos EUA, aumenta a presença militar na zona do Canal e concede passagem gratuita a embarcações norte-americanas—medidas que violariam os tratados de neutralidade. Apesar dessas concessões, as ameaças de Trump não cessaram. Por outro lado, o Panamá tem aparecido com menos frequência em seus discursos: em sua posse, das nove menções a países estrangeiros, seis foram ao Panamá—um sinal da centralidade geopolítica do país canalero.

Neste contexto volátil, é essencial que o Panamá e a comunidade internacional reafirmem o compromisso com o multilateralismo e o direito internacional. O Canal do Panamá é um eixo estratégico para o comércio e a logística globais, com mais de 80% das mercadorias do mundo transportadas por via marítima. A disputa em curso no Panamá tem implicações globais—e o mundo não pode se dar ao luxo de ignorá-la.