Apesar de vários questionamentos e avisos nacionais e internacionais, em 10 de janeiro de 2024, o presidente do Congresso do Peru assinou a alteração da Lei Florestal e de Fauna Silvestre número 29763. Anteriormente, em meados de dezembro de 2023, o Congresso aprovou três projetos de lei sobre o tema, mesmo contra a opinião de entidades do Poder Executivo que haviam feito várias observações às iniciativas, incluindo, entre outros questionamentos, a ausência de consulta prévia, livre e informada aos Povos Indígenas e até mesmo às autoridades estaduais.
Ficou evidente a pressão exercida pelo setor empresarial peruano para a aprovação das reformas legais, especialmente através da CONFIEP, a Confederação Nacional de Instituições Empresariais, que enviou uma nota ao Congresso advertindo que a não adoção teria significado uma violação ao direito ao trabalho, à estabilidade no emprego e um desânimo para os investimentos privados.
O novo texto legal enfraquece a legislação, suspendendo até dois anos a obrigatoriedade de exigir o zoneamento florestal, como requisito para a entrega de títulos, e subscrição de certificados de desempenho em áreas que estejam em processo de reconhecimento, de diploma ou de ampliação de comunidades camponesas e indígenas. Também estão incluídas as áreas que estejam em tramitação para o estabelecimento de reservas territoriais e povos em isolamento voluntário.
Um dos aspectos que mais recebeu questionamentos é que, por meio de uma provisão complementar ao final, em vez de um capítulo específico, como ameritaría a relevância da temática, altera parcialmente a legislação relacionada com a Amazônia, facilitando a expansão do espaço de desmatamento sem uma relação fundamentada com a demanda que efetivamente possa existir.
Entre as vozes críticas internas, destaca-se o que foi dito pela Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (AIDESEP), que representa quase 2500 comunidades e um grande número de organizações regionais. AIDESEP sustenta que a nova lei permite legalizar áreas desmatadas para atividades agropecuárias, colocando em risco ecossistemas vitais para o equilíbrio ambiental; compromete os acordos internacionais de conservação; dificulta a comercialização de produtos agrícolas, sob regulamentos internacionais de desmatamento zero, ameaçando assim os meios de vida de centenas de milhares de agricultores familiares e produtores a nível nacional; viola o direito à consulta prévia a favor dos povos indígenas, que é a legislação em vigor e obrigatória no país; compromete a sustentabilidade ambiental do país.
Quanto aos questionamentos provenientes do cenário internacional, destaca-se o comunicado emitido pelo Relator da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Francisco Cali, dado a conhecer em 31 de janeiro de 2024, que disse que “estas reformas poderiam legalizar e incentivar a expropriação de terras dos povos indígenas e, até mesmo, ameaçar a sua sobrevivência física e cultural”. Aponta, além disso, que a expropriação territorial é o motor da violência contra os líderes indígenas e envolve um levantamento do Estado nas áreas rurais”, lembrando que nos últimos anos mais de 30 líderes indígenas têm sido assassinados por defender seus territórios e seus direitos coletivos, o que esteve relacionado, em grande medida, com o avanço da exploração ilegal de madeira, a mineração informal e o tráfico de drogas.
O especialista indica que a reforma ocorre em um momento em que o Estado ainda tem obrigações pendentes por cumprir no que diz respeito ao reconhecimento legal e à segurança dos territórios dos povos indígenas, já que aproximadamente um terço dos povos indígenas da Amazônia peruana não receberam a titulação de suas terras, “deixando-os inseguros e vulneráveis perante terceiros”.